Ao folhear despretensiosamente certo livro de receitas, o que mais me chamou a atenção foi o nome da sobremesa e sua atraente foto. Ou será que foi a lista de ingredientes e o modo de fazer? Em um primeiro momento a Torta Santiago me despertou para a interessante história que a acompanhava. Original de Santiago de Compostela, na Espanha, tem como principais ingredientes a amêndoa e os ovos. Foi então que me dei conta que lá longe, em 1577, durante a visita de um tal de Dom Pedro de Porto Carrero (quem foi ele? o que fez?) à Universidade de Santiago de Compostela, foi servida uma sobremesa intitulada Torta Real. Não há certeza absoluta sobre o fato de ser ou não ser a mesma sobremesa de hoje, porém a receita, seus ingredientes e medidas são semelhantes. Somente em 1838 foram feitos os primeiros registros da receita em anotações de outro personagem chamado Luis Bartolomé de Leybar, onde levava o nome de Torta de Amêndoas, simplesmente. Em 1924 surge o detalhe marcante: a característica silhueta da cruz da ordem dos cavaleiros de Santiago ou, simplesmente, Cruz de Santiago. Gravada na parte superior da torta, utilizando como técnica o estêncil e o açúcar de confeiteiro, é sem dúvida uma invenção mais moderna!
Depois passei os olhos de relance pelos ingredientes, havia farinha de trigo e de amêndoas, açúcar, ovos, baunilha e manteiga, também raspas de limão e canela, hum... Me pareceu muito boa! Nada demais quanto aos ingredientes, todos bem inocentes, mas juntos e misturados, na química dessa comunhão, me pareceram bem harmônicos e que dariam certo juntos. Claro que sim, pensei. Com esse sobrenome, com esse passado, essa torta Santiago teria tudo para agradar. Caso contrário, estaria na vigésima página de um livro qualquer de receitas ordinárias e desconhecidas, não se daria ao trabalho de percorrer a história, de caminhar pelo tempo desta maneira. Pela simplicidade dessa receita, com ingredientes tão básicos me ocorreu também que, lá atrás, não havia tudo o que se tem hoje. Dependiam de transportes como navios, de acordos entre regiões, quem fornecia, quem fabricava, quem vendia e quem comprava. Portanto uma receita também é parte da história de uma civilização e seu progresso, de pessoas que a criaram, mas também daqueles que produziram e transportaram, que venderam seus ingredientes. E neste emaranhado de minúcias a respeito de apenas uma simples torta, passei os olhos mais abaixo para ver como ela era feita...
Aí parei no modo de fazer. A massa da torta deve ser misturada até que fique “lisa e homogênea”. Será que saberei dar este ponto, será que todos ao se depararem com este primeiro passo sabem o que fazer? Tenho minhas dúvidas... Cada receita contem aspectos que podem ser mal interpretados, como: uma pitada disso... quanto é? Colocar canela a gosto, mas quanto? Depois, colocar na geladeira. Mas espera! Lá nos idos de 1577, geladeira é certo que não haviam inventado. A manteiga é amolecida..., mas a que ponto, mais para mole ou quase lá? Isso me fez lembrar um fato, há muitos anos atrás, um suíço me pediu a receita da “pastinha de atum” que costumava fazer. A primeira risada veio quando falei “pastinha”. “Vocês brasileiros e seus diminutivos!” Depois quando falei, um pouco de Ketchup, uma pitada de sal e mostarda a gosto, foram minutos de gargalhada. Inúmeras receitas são assim, dependem um pouco de nossa experiência, da nossa sensibilidade e do gosto pessoal. Então pude perceber, por fim, que uma receita não é só uma receita. Ela vem, em geral, com características próprias que serão interpretadas por cada um que fizer, vem com uma foto e, portanto, com uma cara, com muita história, tão comprida quanto sua ancestralidade e tão importante quanto seus personagens. Se tem reis ou rainhas, se um chef famoso a interpretou, se um duque ao receber um príncipe a serviu, se foi para homenagear alguém famoso ou não, esta sobremesa tem história para contar e algumas vezes mais de um país reclama a sua origem. Sim, receitas são complexas, as vezes confusas e sempre sempre admiráveis!
E assim termina este pequeno texto contando um singelo momento chamado... Hygge!
Luciana Corrêa – Mixing Things with Love
Fizemos a receita tradicional da Torta Santiago e adoramos o resultado! Vale a pena testar. Segue a receita:
Ingredientes:
250g de farinha de amêndoa
200g de açúcar
4 ovos
raspas de 1 limão
1 colher de chá de canela
Modo de Fazer:
Misture a farinha, as raspas de limão, a canela e o açúcar. Bata manualmente os ovos e misture na farinha. Coloque na forma untada e leve ao forno médio por aproximadamente 40 minutos ou até que fique dourado. Deixe amornar, coloque o molde da Cruz de Santiago ou Espada de Santiago em cima e polvilhe açúcar de confeiteiro. Retire o molde. Aproveite!
Luciana Corrêa – Mixing Things with Love
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