Todos os sons desaparecem e a atenção se volta totalmente para um único papel. Olhos atentos escondidos por trás dos óculos denotam vivacidade e lucidez. Incipiente, a lista dos ingredientes faz lembrar da dispensa num questionamento ávido e persecutório. Depois vem o modo de fazer, primeiro isso e depois aquilo. Aí intercalar, mexer e adicionar com cuidado, talvez uma pitada disso, outra a gosto de quem faz e assim por diante. Certo! Nada pode dar errado. Seguir Tim-Tim por Tim-Tim, uma coisa de cada vez e cada qual a sua maneira. Olhos jocosos gracejam em aprovação e desdém, indicando a facilidade no trato e a intenção de preparar a tal da receita. Mais uma olhadela de cima a baixo do papel seguida de um olhar absorto postando indicador nos lábios e polegar no queixo. É isso, pronto!
Leve batedeira no coração excitado e uma funda respiração buscando energia para iniciar a tarefa. Contentamento pela a atividade que se dará e por todo o resto agregado, faz lembrar da infância feliz ou das férias com os primos na praia. Uma rápida volta de 360 graus pela cozinha procurando por onde começar. Por onde? Talvez as mãos se postem como antes, mas o olhar pensativo agora está buscando o teto. Volta-se então para baixo e encontra a mesa livre aguardando apenas um pote disso, uma tigela daquilo, meia dúzia de ovos brancos, peneiras, medidores e colheres. Tudo junto, mas não misturado. Lado a lado sim, como não poderia deixar de ser, do maior para o menor, do que vem antes para o que virá depois. Tudo muito bem organizado, milimetricamente e esteticamente impecáveis, assim como a receita também é, assim como deveria ser.
Mas num estalinho de hora tudo se confunde e se mistura em singelas pitadas de sabor e de prazer. As colheres lambuzadas, as formas untadas e as tigelas sujas se comprazem com todo o resto; medidores, utensílios e batedores todos já estão na pia bagunçada. Não há mais ordem, não há mais regra, tudo já foi devidamente colocado, alternado e experimentado. Agora só esperar, ver no que vai dar, sentir no ar alguma brisa doce e sugestiva. Por longos minutos não há nada pairando no ar, apenas louças amontoadas e aglomeradas como não deveriam estar. Certo? Mas ao toque das ágeis mãos, como num sim salabim qualquer, tudo vai se transformando na mesma velocidade com que os aromas vão inundando toda a cozinha. E é aí que o momento se completa numa agradável viagem por pesos e medidas, sabores e texturas, sonoridades e aromas. Trabalho concluído com sucesso, nem trabalho pareceu dar, foi tudo prazeroso, foi tudo com atenção máxima na adorável e deliciosa arte de fazer um bolo!
E assim termina este pequeno texto contando um singelo momento chamado... Hygge!
Luciana Corrêa – Mixing Things with Love
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